Pó de canela e negócios da China
Jornal Zero Hora, de 17/09/2011
Na véspera do feriado da Independência, fui a um mercado da capital comprar canela moída para dar sabor a um bolo caseiro. Deparei-me com apenas duas marcas do produto na prateleira. Ambas tinham o mesmo peso: 40 gramas. Verifiquei o preço e coloquei no cesto a de menor custo. Algo, porém, me intrigava. A embalagem era chinfrim, de plástico fajuto totalmente lacrado. Para abri-la, somente com uso de faca. Era mais em conta que a outra, sim, mas parecia-me estar comprando algo no escuro, como se me fosse passado gato por lebre. Olhei melhor e li: canela moída da China. Fiquei estupefato, boquiaberto. Canela em pó importada da China? É o fim da picada! Coloquei a embalagem de volta e peguei a outra, embora de maior custo. Esta era nacional, com nome e marca.
Nessa hora, lembrei-me do Brasil, da Bandeira, do Hino, da indústria, da agricultura, dos trabalhadores e empresários daqui. Vinham-me sentimentos de vergonha e de indignação. Naquela embalagem chinesa, com certeza, estava contido muito suor de semiescravos, de homens explorados. Nela também via a destruição de nossa agricultura, do trabalho e da soberania brasileira. Lembrei minha mãe, pequena agricultora, que cultivava árvore de canela na horta e dela tirava a casca para dar gosto aos doces que fazia no fogão de pedra. Lembrei os antigos comerciantes europeus que, sob o manto da cruz, abriam caminhos com guerras para buscar especiarias e temperos no Oriente, nos conhecidos negócios da China.
Hoje se importa tanta quinquilharia da China. Jamais, porém, imaginei que a coisa chegara a esse ponto. Logo entendi, sem ser economista, por que na prateleira só havia uma embalagem de canela brasileira. Se isso ocorre com um tempero tão comum, o que não estará acontecendo com produtos mais sofisticados, com manufaturados? Paguei mais caro, mas levei para casa um produto nacional. Tirei um peso da consciência. Não me livrei, contudo, do sentimento de exploração e de vergonha. Os negócios da China atuais não respeitam leis, tratados, dignidade. É o fim da picada, como afirmei, ou será apenas o começo de um beco sem saída?
Ari Riboldi, professor e escritor.