O crime da Mimosa
Jornal do Comércio, de Porto Alegre, em 24/06/2011
No embate ferrenho entre ambientalistas e ruralistas, para a definição do novo código florestal, a vaca Mimosa corre o risco de pagar o pato: responder por crime ambiental. Ora, justo a Mimosa, vaquinha boa de leite, membro indispensável da família de pequenos agricultores cuja propriedade se localiza em encosta de morro! Ela pertence à família e, como os demais, tem nome. Faz a sua parte, pois fornece leite, nata, manteiga, queijo, requeijão e, ainda, rende um dinheirinho com a venda do leite excedente. Alimenta-se apenas de capim e cereais. Não devora mata ciliar nem mata virgem. É incapaz de comer araucária, ipê, cedro, canjerana, angico, mogno, pau-brasil, qualquer madeira de lei, árvore nativa ou exótica.
O azar dela foi ter nascido em família de pequenos proprietários de terra de encosta de morro, entre penhascos e peraus. É a parte que te cabe deste latifúndio, diz João Cabral de Melo Neto. O lavrador olha apreensivo para a vaquinha. Não, ela não é criminosa. Diante das ameaças que lhe querem imputar, fica triste, depressivo, pensando na morte da bezerra. Decepcionado, desconfia: nesse negócio de código tem boi na linha, interesses escusos, gente intrusa. Produzir mais e, ao mesmo tempo, preservar, eis tudo o que a Mimosa sempre fez. Ele não entende por que uma embalagem de leite é mais cara do que o próprio leite ali contido. Alto custo para o consumidor urbano e baixo preço para o leite precioso da Mimosa. Uma grande contradição: o continente mais caro que o conteúdo.
O agricultor olha tristonho para a sua vaca. Se for considerada criminosa contra o meio ambiente, a culpa será dele também. Será cúmplice por fazê-la subir encostas em busca do capim verde. Sem ela e suas terras de encosta de morro, ele não terá para onde ir. Ali passou a vida inteira com sua família, herança de seu pai e de seu avô. Ali viveu tempos de vacas magras e tempos de vacas gordas. Ali sobreviveu. Não, não vai deixar a vaca ir para o brejo nem que a vaca tussa. O novo código florestal deve garantir o espaço da Mimosa e do pequeno agricultor. É bom para o meio ambiente, é ótimo para o Brasil e para milhares de brasileiros. Depois não adiantará chorar sobre o leite derramado.
Ari Riboldi, professor e escritor